terça-feira, 17 de abril de 2012

"Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem..." Mário Quintana

Esse trabalho foi realizado pelos alunos, Meiryele Santos Passos, Paula Brito de Jesus e Vandson José Fonseca Santana alunos do curso de Licenciatura em Letras Português/Inglês da Faculdade José Augusto Vieira.


        





ERRO (S): ENTRE O DESVIO E A NORMA.

Valdson José de Santana Júnior[1]
Marie Jolly Nascimento Pinto[2]
Robson Ferreira de Santana[3]
RESUMO
Este estudo visa mostrar a origem e as mais diferentes concepções que perpassam o erro, exemplificando onde há variedade não-padrão, desvio e erro por meio de pesquisa bibliográfica, uma vez que, concebe-se a língua como um instrumento de comunicação, atividade social, logo, uma ferramenta que se evolui na medida em que é usada, não pode ficar condicionada a um conjunto de regras serve de modelo sobre como deve funcionar e ser usada a língua, em virtude disso nasce à dicotomia do certo ou errado, consequentemente o preconceito linguístico. Além disso, a consideração de certo ou errado é uma construção social, cuja intenção é estigmatizar as classes sociais desfavorecidas por meio de sua própria língua, assim, cabe então à escola que permitir que o aluno conheça as mais diversas variedades linguísticas existentes mostrando que cada variante é diferente do padrão estabelecido e não erro.
PALAVRAS-CHAVE: Erro. Língua. Padrão. Preconceito. Variedade. 

ABSTRACT
This study seeks to show the origin and the most different conceptions that go by the mistake, exemplifying where there are variety no-pattern, deviation and mistake through bibliographical research. Once, one conceives the language as a communication instrument, social activity, therefore, a tool that it develop in the measure in that it is used, it can’t be conditioned a group of rules serves as model on how it should work and the language to be used, because of that it is born to the dichotomy of the right or wrong, consequently the linguistic prejudice. Besides, the consideration of right or wrong is a social construction, whose intention is to stigmatize it’s not biased toward classes through it’s own language, like this, it’ up then to the school to allow the student knowing the most several existent linguistic varieties showing that each variant is different from the established pattern and not a mistake.
KEY-WORDS: Mistake. Language. Standard. Prejudice. Variety.   

Este estudo trata das várias concepções de erro correntes não só no ambiente acadêmico, mas também no seio social, sob o ponto de vista do uso da língua. A abordagem do trabalho tem como premissa o estudo exaustivo da relação entre norma, língua e erro à luz da ciência Linguística, para assim elucidar algumas proposições preconceituosas que giram em torno dos usos da linguagem verbal humana e do ensino de Língua Materna.
Dessa forma, o trabalho se faz relevante uma vez que a língua é formada por um conjunto de variações, além disso, é um fato social, ou seja, é uma ferramenta pela qual os seres humanos estabelecem suas relações. Em decorrência disso não se pode trata - lá como um produto fechado e imutável. Tampouco reduzi-la a regras desconsiderando formas diferentes a padrão. E, devido a conceitos antecipados (preconceito) sobre o erro em língua, concepções inflexíveis de falantes da norma culta perante aos falantes de outras variantes classificadas por estudiosos por não padrão surge o interesse pelo referido tema.

UM BREVE HISTÓRICO SOBRE OS ESTUDOS ACERCA DA LINGUAGEM.

Os estudos da linguagem foram iniciados a princípio através dos hindus, mais precisamente por Panini (Sec. IV a.C) por razões religiosas, e em seguida aprofundado pelos gregos, os quais se preocupavam em descrever o que a palavra designava principalmente no diálogo Crátilo o qual é considerado o texto básico da filosofia sobre a linguagem, onde encontram-se grandes questões lingüísticas e filosóficas. O filósofo ateniense Platão (427 – 347 a.C) inicia por meio desta obra um questionamento sobre as origens dos nomes com o debate do Naturalismo[4] X Convencionalismo[5]. Assim a filosofia grega inicia-se precisamente com o conhecimento de que a palavra é apenas nome e, logo, não representa o verdadeiro ser, então, a questão é a seguinte: qual é a relação entre a palavra e a coisa, ou seja, a palavra e seu significado.
Em quase todas as famosas escolas da filosofia grega incluíram a linguagem como seus objetos de investigação científica, onde podemos citar Aristóteles (384 – 322 a.C) o qual nesta área ele contribuiu com seus estudos que tratavam da analise precisa da estrutura linguística, chegando até a elaborar uma teoria da frase, a distinção de partes do discurso e enumerou categorias gramaticais.
Outra grande contribuição para os estudos acerca da Linguagem veio de Varrão (116 - 27 a.C.), gramático latino, considerado um dos mais importantes estudiosos do assunto, sua visão sobre a linguagem era que: "o desenvolvimento da linguagem se deu a partir de um conjunto limitado de palavras básicas que se fizeram aceitar para representar os objetos que serviram para reproduzir novas palavras através das mudanças de letras ou da forma fonética". Também tratou da gramática como ciência e arte.

A LINGUAGEM.
 Mas então o que é linguagem? Segundo o dicionário “Aurélio” classifica linguagem como um substantivo feminino, significa o uso da palavra como meio de expressão e de comunicação entre pessoas. Forma de expressão pela linguagem do indivíduo, grupo e classe social. No “Dicionário de Linguística” ela é definida da seguinte forma: “capacidade específica à espécie humana de comunicar por meio de um sistema de signos vocais ou língua, que coloca em jogo uma técnica corporal complexa e supõe a existência de uma função simbólica e de centro nervoso geneticamente especializado”. Esse sistema de signos vocais referido, utilizado por um grupo social ou comunidade lingüística constitui uma língua particular.
A linguagem pode ser caracterizada como a capacidade viva que têm os falantes de produzir e entender enunciados, e não com os produtos observáveis que resulta do ato de falar ou de escrever. Podendo ser definida ainda, como um vetor essencial da comunicação e existe uma procura cada vez mais forte de tratamento dos conflitos sociais em termos de disfuncionamento da comunicação. Além disso, também pode ser conceituada como meio de expressões e dos sentimentos individuais que, por ela, o homem se comunica coletivamente, assim, é através da mesma que somos indivíduos únicos, pois somente o homem a utiliza a linguagem articulada, motivo esse que nos difere dos animais.

LINGUA E FALA E NORMA.
Enquanto a Gramática Tradicional tenta definir a "língua" como uma entidade abstrata e homogênea, ou seja, uma visão delimitada, “fechada”, que considera a língua como um sistema de regras que permite a realização da linguagem já a Linguística concebe a língua como uma realidade heterogênea, variável, mutante, em estreito vínculo com a realidade social e com os usos que dela fazem os seus falantes.
Para Bloch e Trager (apud LYONS, 1942: p. 5) “Uma língua é um sistema de símbolos vocais arbitrários por meio dos quais um grupo se co-opera”. Nessa abordagem fica evidente o caráter puramente social que a mesma possui, sendo reforçada por Dubois et. al. (1993) ao conceber “a língua como um instrumento de comunicação, um sistema de signos específicos aos membros de uma mesma comunidade”. Dessa forma a língua é o meio pelo qual o homem usará para estabelecer as relações sociais dentro do meio que vive. Neste âmbito contribui para esse conceito de língua, porém, de forma mais abrangente Hall (apud LYONS, 1968, p. 158) ao citar “A língua é a instituição pela qual os humanos se comunicam e interagem uns com os outros por meio de símbolos arbitrários orais-auditivos habitualmente utilizados”.
Dessa forma pode-se considerar que não existe de uma definição fechada para a noção de língua, pois, após vários estudos foi possível perceber como o conceito de língua varia de acordo com a perspectiva teórica em questão, no entanto, fica clara a idéia que a língua é uma atividade social, uma ferramenta que se evolui na medida em que se usa.

USOS DA LINGUAGEM
Tem-se a idéia de língua padrão um modelo pré-definido, moldado e “puro” que parte da elite culta para os falantes de classes desprestigiadas pela sociedade como padrão a ser seguido. Entretanto, essa concepção vai de encontro aos princípios de heterogeneidade da língua, pois ao se tratar da mesma não se pode defini-la como algo fechado e pronto, mas sim como produto mutável e objetivo que serve de instrumento de comunicação e inserção social.
A criação de um padrão de língua antes de tudo pode ser considerado um marco inicial do preconceito, porque as classes menos favorecidas aprendem a variedade não padrão, conhecendo portanto, uma gramática que não está de acordo com o padrão linguístico estabelecido. Dessa forma, surgem os conceitos “certo e errado”, assim, quem não usa o padrão estabelecido fala errado. Ainda neste sentido Maurizio Gnerre (1998, p. 06) afirma:

A língua padrão é um sistema comunicativo ao alcance de uma parte reduzida dos integrantes de uma comunidade; é um sistema associado a um patrimônio cultural apresentado como um “corpus” definido de valores, fixados na tradição escrita.

Nota-se então que tal afirmação mostra o fator de exclusão que o domínio da língua padrão possui, uma vez que quem domina esta variante está relativamente acima das variantes estigmatizadas. Outrossim, o ideal de padrão tende a ser atribuído a modalidade da língua escrita, com isso  esta servirá de molde, como modelo de correção para a fala de falantes de variantes incomuns a nomeada padrão. Ou seja, utiliza-se a sistematização da língua escrita para fala, logo, origina-se a idéia da língua padrão ser a gramática, pois procura seguir todas as regras da gramática normativa como a língua que deve ser usada em todos os documentos oficiais, na imprensa e para ser falada por todos os falantes de forma uniforme. No entanto, é necessário ensinar a escrever de acordo com a ortografia oficial, mas não se pode fazer isso tentando criar uma língua falada “artificial” e reprovando como “erradas, grosseiras e incoerentes” as pronúncias, já que é resultado natural do cognitivo do falante, até por que a língua falada é uma competência natural e espontânea assim como falar, andar e chorar (Bagno, 2001).
Portanto a língua padrão vem a ser o modelo para ser seguido por toda sociedade, imposta de forma preconceituosa, pois quem não a utiliza será taxado de errado, consequentemente excluído socialmente. Assim sendo, é mais um conceito antecipado do que é certo ou errado em língua o que reforça cada vez mais o preconceito linguístico em nossa sociedade.

A NOÇÃO DE ERRO
A noção de “erro” em língua é oriunda das mesmas concepções do que é “certo ou errado” que circulam em nossa sociedade, logo, pode notar que no decorrer da história esta noção está atrelada a questões socioculturais resultantes da visão de mundo, juízos de valores e ideologias que no transcorrer do tempo sofrem mudanças significativas.
Assim, no âmbito linguístico as primeiras concepções de “erro” surgem no mundo ocidental juntamente com as primeiras descrições sistemáticas de uma língua, sendo esta a grega. Tais descrições sistemáticas foram inicialmente empreendidas na cidade de Alexandria (Egito), a qual era considerada o centro de cultura Grega no século III a.C., pois, devido a grandes conquistas territoriais de Alexandre III (356-323 a.C) difundiu com eficiência a cultura e consequentemente a língua grega por todas as terras conquistadas.
Com a expansão deste idioma dentro do império de Alexandre surgem as primeiras necessidades de normatizar a língua, ou seja, precisava-se criar um padrão uniforme e homogêneo que sobressaísse perante as diferenças socioculturais e regionais, com objetivo principal de unificação política e cultural deste grande Império. Coube então aos filólogos[6] que trabalhavam na biblioteca de Alexandria essa tarefa de construir uma norma unificada, um padrão de correção que servisse de base para o povo grego. Então é no Sec. III a.C que surge a primeira Gramática tradicional (Conjunto de noções acerca da língua e linguagem, o que representou o marco inicial dos estudos linguísticos no ocidente (Bagno 2007, 61), entretanto, em termos modernos de ciência, deve-se considerar uma abordagem não - científica, pois esta fazia a junção de intuições filosóficas e preconceitos sociais. Foi a partir daí que os gregos acharam por bem considerar correto só o que estivesse de acordo com os clássicos e vice-versa, logo, surge em língua à questão do certo/errado.
E como uma das consequências da concepção da gramática normativa da língua, herdou-se a doutrina do erro, a qual está arraigada em nossa cultura até os dias atuais. Sendo reforçada a cada dia conforme Sirio Possenti (1996, p. 78) “a noção mais corrente de erro é que decorre da gramática normativa: é erro tudo aquilo que foge a variedade que foi eleita como exemplo de boa linguagem”. Isto é, uma visão restritamente preconceituosa, pois o falante foge as regras de uma norma dita “padrão ou culta” sem considerar os fatores que contribuíram para que ele escapasse as regras gramaticais impostas. Ninguém erra porque quer ou porque é incapaz de produzir sentenças certas, o falante apenas utiliza uma variante diferente a dita “correta” obedecendo assim a regras gramaticais próprias de uma gramática internalizada, a qual é o resultado de seus conhecimentos linguísticos.
Ao se falar de erro em língua, logo se remete a impressão que a pessoa erra por preguiça ou falta de inteligência ou meramente comodismo, como se fosse intencionalmente errar, ou se ela soubesse o “certo”, mas por ignorância ele erra, os falantes apenas usam regras gramaticais diferentes. Trata-se então de conceitos antecipados (preconceito) sobre o erro, concepções inflexíveis de falantes da norma culta perante aos falantes de outras variantes classificadas por estudiosos de não padrão como reforça Marcos Bagno em sua obra Norma Oculta (2003, p. 24) Os “erros crassos” de “concordância” de “plural” só são crassos quando cometidos pelos outros que não pertencem ao meio social da acusadora [...]Evidentemente, não se trata propriamente de “língua”, mas de uma idealização obscura de correção, à qual geralmente denomina-se “norma culta”. Contudo, se não houvesse o controle sistematizado (a norma culta) da linguagem, ocorreriam distorções linguísticas mais rápidas do que já ocorre habitualmente. A utilização da linguagem deve ser adaptável à situação (ou seja, a língua funcional) da mesma forma que vestimos roupas adequadas a ocasiões diferentes, devemos lidar com a linguagem.
Em meio ao estudo de erro existem duas visões amplamente diferentes, mas, que contribuem efetivamente para o desenvolvimento da pesquisa que é a visão da gramática normativa e a da descritiva. Para a primeira toda a produção linguística que esteja fora do padrão estabelecido como ideal é dita errada como, por exemplo, “Nois vai”. No entanto, erro para a gramática descritiva é o que não transcorre sistematicamente na língua, ou seja, uma construção que comprometa a comunicação entre dois falantes, exemplo, “Vai nois.”, para Possenti (1996), seriam construções como “uma menino” - que só poderiam ocorrer por engano na fala de um falante nativo – e hipercorreções como “solvete” e “vitror”, em lugar de “sorvete” e “vitrô”, surgidas a partir de hipóteses equivocadas a respeito do funcionamento da língua.
Podemos citar também exemplos encontrados na obra de Magda Soares (2002) de situações onde se utilizam artifício preconceituoso para distinguir a estrutura “certa” da “errada” vejamos a seguir:
·         Ninguém não viu o ladrão.
·         Ele não viu nada.
A primeira estrutura é considerada errada, ilógica, incorreta (formas preconceituosas) perante a gramática normativa, logo, pela norma padrão também. Devido à justificativa que neste caso o uso da dupla negação (ninguém + não), o que seria utilizado para provar uma afirmação, ou seja, Ninguém deixou de ver o ladrão. Portanto mediante a norma estaria correta. Porém, no segundo caso ocorre à mesma situação, a dupla negação (não + nada), mas ao contrario da primeira se aceita a “lógica”, pois a deixaria da seguinte forma Ele viu algumacoisa, assim, resulta também em uma afirmação. Para ambas as estruturas foi utilizado o mesmo critério para julgar a qual estava correta, mas a diferença existente é meramente superficial no processo de comunicação, visto que, os falantes de uma variante diferente a padrão entenderiam perfeitamente o significado negativo tanto quanto os falantes da padrão compreenderiam da mesma forma.
Destarte, não se pode considerar do ponto vista linguístico uma estrutura “certa” ou “errada” tampouco “bonita” ou “feia”, pois segundo Magda Soares (2002, p. 42): “O que se considera “errado” não é linguisticamente melhor nem pior que o que se considera “certo”; é apenas aquilo que difere da norma de prestígio, socialmente privilegiada”.
            Outrossim, para Estela Maris Bortoni-Ricardo (2004, p. 08)  “Só se poderia falar em “erro” se cada cidadão errasse, individualmente e de modo particular, no  momento de produzir aquele fonema. Como chamar de erro um fenômeno que se verifica de norte a sul do pais? Como milhões de falantes conseguiram “combinar” para “errar”. Tanto que Bagno pergunta se é um erro ou acerto coletivo? Pois como pode em um país de dimensões continentais como o Brasil de culturas amplamente diferentes, falantes de norte a sul do pais falarem  ozoio, uz meninus, ou seja sistematicamente eles comentem os mesmos descuidos embora sejam de lugares diferentes.
            Então, linguisticamente, o erro não existe, o que existe são formas diferentes de usar os recursos potencialmente presentes na própria língua embora na concepção gramatical o erro esteja presente em situações onde a norma culta não esteja sendo executadas de forma peculiar as regras que lhes são fornecidas.
            Entretanto, sob o ponto de vista da gramaticalidade existe sim o erro desde que o falante “não respeite as regras gramaticais do sistema lingüístico” (Lyons 1981, p. 79). Já para Fiorin (2003, p. 22) gramaticalidade é a organização linear dos elementos linguísticos que constituem uma sentença promovendo assim o entendimento da mensagem, ou seja, só ocorrerá o erro à medida que o falante construa frases com os elementos desordenados sem compreensão alguma do receptor, logo, resultará na agramaticalidade como, por exemplo:
·         Quantos livros você já escreveu?  - Gramatical
·         Que livro você conhece uma pessoa que escreveu.  – Agramatical
                Outrossim,  o termo “gramática” refere-se a diferentes realidades. Sendo este termo dividido em três conceitos associados respectivamente a três concepções de língua: gramática normativa, descritiva e internalizada. A primeira conforme Franchi (1991) é o conjunto de sistemático de normas bem falar e escrever; gramática descritiva é um sistema de noções que mediante as quais se descrevem os fatos de uma língua, já a gramática internalizada corresponde ao saber linguístico que um falante de uma língua desenvolve dentro de certos limites impostos pela sua própria dotação genética humana, em condições apropriadas de natureza social e antropológica.
            Desse modo a concepção de erro varia de acordo com conceito de gramática, isto é existe o erro perante a gramática normativa, na qual se considera errado o não cumprimento do padrão linguístico estabelecido, no entanto, os outros dois tipos de gramáticas (descritiva e internalizada) considera erro o que o falante produz assistematicamente em sua língua materna. Logo, o é errado em língua será o que estará incompreenssível para o entendimento entre falantes de uma mesma língua.

 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E PRECONCEITO
Para a ciência Linguistica não existe de fato uma língua homogênea em território que se é usada, ou seja, toda língua é constituída por variação dessa forma pode ser considerada um mosaico de variedades. Assim sendo, a língua como um fenômeno social é caracterizada pela heterogeneidade e variabilidade.  
Ao falar em variedades linguísticas deve-se entender como modalidades da língua, marcadas por características de ordem fonológica, sintática e semântica que são determinadas, de um modo geral, por três fatores: o geográfico (diatópicas), o sociocultural (diafásicas) e o nível da fala Dentre estes fatores destacamos geográfico (diatópicos) como, por exemplo, no próprio nordeste do Brasil onde conclui-se  que há variação  entre  Sergipanos e Pernambucanos, Baianos e Cearenses e etc. ,isto é, usam expressões linguísticas diferentes para designar uma mesma coisa. Fatores econômicos e sociais (diafásicos) também interferem: as classes sociais que têm acesso à escola dominam uma modalidade da língua que pré-dispõe de prestígio (norma culta) os que não tiveram oportunidade de acesso à escola e, portanto, não dominam a norma dita padrão, logo, são vítimas de preconceito por se expressarem por meio de variantes menos prestigiadas socialmente. É neste sentido Maurizio Gnerre em sua obra Linguagem Escrita e poder (1998, p. 06-07) comenta, uma variedade lingüística “vale” o que “valem” na sociedade os seus falantes, isto é, vale como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e sociais. 
Então, fica claro que as variações são julgadas não apenas por fatores meramente geográficos, socioculturais e de níveis da fala. São também fatores de cunho estrutural fazem parte da individualidade do falante, que irão determinar sua posição na escala da discriminação linguistica. “Em suma, os fatores lingüístico-estruturais podem ser fonológicos, morfológicos, sintáticos, semânticos, pragmáticos e até discursivos.” (Bortoni-Ricardo1998, p. 49).
Além disso, um indivíduo, colocado em diferentes situações de comunicação, faz o uso de modalidades linguísticas diferentes, mais ou menos formais, isto é, a utilização da linguagem deve ser adaptável à situação (ou seja, a língua funcional) da mesma forma que vestimos roupas adequadas a ocasiões diferentes, devemos adequar a linguagem. O importante é a adequação da linguagem ao ambiente ou à situação em que a pessoa se encontra: em casa, numa conversa descontraída com os amigos, ou ministrando uma palestra para um público desconhecido, portanto, seria então função do ensino de língua “tornar o falante nativo em um poliglota da própria língua”. (Bechara, 2002, p.14)
No que diz respeito à fala de um nativo implica-se em ensinar a variedade-pado como uma das possibilidades de uso da língua, ou seja, adequar a determinadas situações, sem reduzi-la  à única forma possível e aceitável para todas as situações de linguagem. Além do mais, tal respeito implica também no posicionamento da escola em não considerar construções e formas de uma variante linguística divergente da forma culta como “erros, mas sim como diferenças linguísticas com relação à língua padrão.
Do ponto de vista linguistico, ou sociolinguistico o conceito de “deficiência linguística” é um desses estereótipos, resultado de um preconceito, próprio de sociedades estratificadas em classes segundo o qual é ”superior”, “melhor” o dialeto das classes socialmente privilegiadas; na verdade, essa “superioridade” não se deve a razões linguísticas, ou propriedades inerentes a esse dialeto, mas a razões sociais [...] 
Dessa forma, são essas diferenças de status social que explicam parte da existência, em nosso país, de um abismo linguístico entre os falantes das variedades não padrão da nossa língua portuguesa e os falantes da variedade culta, em geral mal definida, que é ensinada na escola. Embora seja a própria escola o berço do preconceito, pois esta, na maioria das vezes, desconhece a realidade linguística do aluno e de seu grupo social. Logo, a escola tem sido intolerante com as diferenças dialetais, trabalhando com o normativo, isto é, com o “certo e o errado”, não deixando lugar para o “diferente”. Assim, é através da imposição da norma culta que este preconceito vem crescendo, contudo, para Bortoni-Ricardo (1998, p. 09) o papel da escola seria de:
[...] levar os alunos a se apoderar também das regras linguísticas que gozam de prestígio, a enriquecer o seu repertorio linguístico, de modo a permitir a eles o acesso pleno à maior gama possível de recursos para quem possam adquirir uma competência comunicativa cada vez mais ampla e diversificada - sem que nada disso implique a desvalorização de sua própria variedade linguistica, adquirida nas relações sociais dentro de sua comunidade.
A linguagem utilizada na escola coloca em evidência as diferenças entre grupos sociais e gera discriminação e fracasso: variantes linguísticas socialmente estigmatizadas, usadas por alunos oriundos de camadas populares provocam preconceitos linguísticos e resultam em dificuldades de aprendizagem.
Muitas vezes, os falantes das variedades desprestigiadas deixam de usufruir diversos serviços a que têm direito simplesmente por não compreenderem a linguagem empregada pelos órgãos públicos, isto é uma forma de exclusão, o que vai de encontro ao princípio da linguagem como fator de inclusão social. É sine qua non[7] que a escola e todas as demais instituições voltadas para a educação e a cultura abandonem e a elite letrada esse mito da “unidade” da língua (Bagno, 2004) e passem a reconhecer a verdadeira diversidade linguística para melhor planejarem suas políticas de ação junto à população amplamente marginalizada dos falantes das variedades não-padrão.
Todavia, essa realidade linguística marcada pela diversidade já é reconhecida pelas instituições oficiais encarregadas de planejar a educação no Brasil (MEC – Ministério de Educação e Cultura). Assim, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) podemos ler que:
A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação normativa. Assim, quando se fala em “Língua Portuguesa” está se falando de uma unidade que se constitui de muitas variedades. [...] A imagem de uma língua única, mais próxima da modalidade escrita da linguagem, subjacente às prescrições normativas da gramática escolar, dos manuais e mesmo dos programas de difusão da mídia sobre “o que se deve e o que não se deve falar e escrever”, não se sustenta na análise empírica dos usos da língua.

            Cabe então por parte da mídia, formadores de opinião e sociedade o reconhecimento das variedades, pois estas contribuem efetivamente para evolução da língua, já que esta caracteriza-se pela objetividade e por não ser estática pode ser também considerada é “um conjunto de variações”.
            Portanto as variações estão presentes na língua isso está comprovado efetivamente cabe então a sociedade, a escola e a elite letrada não contribuir para o preconceito linguistico, o qual está intrinsecamente ligado a nossa sociedade por meio de conceitos antecipados de “variante melhor” ou “pior” ou “certa ou errada”.   Mas sim o reconhecimento e a valorização das mesmas, já que não basta apenas dominar a variante padrão para ser aceito na sociedade, pois valores são atribuídos a fatores não estruturais como a cor da pele, sexo, modo de vestir-se e sua origem de tal forma que chegam a ser mais importantes que qualquer diploma.

QUESTÕES DE ORALIDADE E ESCRITA
         A língua é sem dúvida uma ferramenta de comunicação e inserção social, como tal, está dividida em duas modalidades, sendo elas a oral e escrita. Por sua vez a língua oral é espontânea, natural, própria do homem, conforme cita Bagno (2001, p. 24):
A língua falada é que é a verdadeira língua natural, a língua que cada pessoa aprende com sua mãe, seu pai, seus irmãos, sua tribo, seus grupos sociais etc. Ela é que é a língua viva, em constante ebulição, em constante transformação. A língua falada é um tesouro onde é possível encontrar coisas muito antigas, conservadas ao longo dos séculos [...]
            A língua escrita por outro lado, norteia se na regras da gramática, ou seja, ela é estática, condicionada a gramática normativa, uma vez que para esta modalidade são atribuídos valores que permite ser julgada como “melhor” que a língua falada. Assim, mais uma atribuição para o crescimento do preconceito lingüístico. No entanto não se pode desconsiderar tamanha importância da língua escrita para o desenvolvimento da humanidade, pois ainda segundo Bagno (2001, p. 24): A língua escrita conserva o patrimônio científico, cultural e intelectual de um povo, transmitindo de uma geração para a outra, desprezar a escrita seria quase seria um suicídio cientifico!
 A língua falada por ser espontânea, também pode se dizer que ela é situacional e contextualizada, logo, esta pode se adequar a as mais variadas situações desde uma conversação entre amigos até um discurso elaborado, o que promove o conceito de língua funcional, isto é o falante adéqua sua língua ao contexto que lhe convém.  Além disso, tratar de erro na linguagem oral pode ser um equivoco, pois o erro neste âmbito não existe, o que existe de fato uma inadequação da língua perante uma determinada situação, já que o falante possui uma gramática internalizada com os conhecimentos linguísticos e consegue produzir enunciados que possibilitam o entendimento do contexto, assim, como este falante está cometendo um erro? Seguem alguns exemplos:
1.      Os homem foi comprar uma bicicreta.
2.      Homens foram os bicicreta comprar.
No exemplo 1 nota-se um possível erro de concordância, embora graficamente esteja incorreto, oralmente o receptor mediante ao contexto consegue interpretar que “Os homens foram comprar uma bicicleta”. Já no exemplo 2 os sintagmas estão desordenados o que não permite a comunicação entre os falantes daí uma situação de agramaticalidade e não de erro.
Linguisticamente o falante só cometeria erro na sentença 2 pois as estruturas imediatas da língua não aparecem na sentença. No exemplo 1, embora esteja fora dos padrões do ponto de vista normativo, ela não está errada, pois está dentro de uma forma sistemática linear que possibilita o entendimento entre os falantes. Isto é, só será concebido como erro o que não existir de forma sistemática em nenhuma variedade da língua escrita ou falada.
A língua falada e a língua escrita, entretanto, são modalidades de um todo que se completam e não se competem, dessa forma é preciso ensinar a escrever de acordo com a ortografia oficial, mas não se pode fazer isso tentando impor uma língua falada de certa forma “artificial” e taxando como “erradas” as pronúncias que são o resultado natural das forças internas, as quais cada falante traz consigo (gramática internalizada) que promovem a evolução da língua. Portanto, deveria ser mais justo e democrático dizer ao aluno que ele pode dizer Bunito ou Bonito, mas que só pode escrever Bonito, porque é necessária uma ortografia única para toda a língua, para que todos possam ler e compreender o que está escrito.
A noção de “erro” em língua é oriunda das mesmas concepções de “certo ou errado” que circulam em nossa sociedade. Em virtude disso e do ensino de língua voltado para gramática gerou-se consequências destas concepções que foi o surgimento da doutrina do erro em língua, a qual está tão arraigada em nossa cultura. Evidentemente, não se trata propriamente de “língua”, mas de uma idealização nebulosa de correção linguística, à qual se dá geralmente o problemático nome de “norma culta”, ou seja, o padrão ideal de língua.
Entretanto, há um paradoxo intrínseco à cultura oral e escrita, pois a oralidade é decorrente de processo natural da cognição, caso em que o ouvinte repete as formas estruturais que escuta, logo, neste processo de condicionamento natural formam-se a linguagem e o mecanismo de comunicação. Em outro processo, o texto e a linguagem culta são prescritos conforme regras e convenções (gramática normativa) e têm função importante de manter a ordem quanto à estrutura e forma de linguagem.
Caso não houvesse o controle sistematizado (a norma culta) da linguagem, ocorreriam distorções linguísticas mais rápidas do que já ocorre habitualmente. A utilização da linguagem deve ser adaptável à situação (ou seja, a língua funcional) da mesma forma que vestimos roupas adequadas a ocasiões diferentes, devemos lidar com a linguagem.
Portanto a “norma culta” acaba sendo identificada, nas práticas comum e pedagógica tradicional como a própria noção de “língua portuguesa” ou de “bom português”, com consequências para o indivíduo e para a sociedade: o uso que não está admitido pela norma, isto é, “não existe” ou “não é português”.
Dessa forma deve-se ter em mente que uma das tarefas do ensino de língua seria mostrar cada variante linguística e os seus respectivos valores sociais que lhe são atribuídos, enfatizando a carga de discriminação que recai sobre determinados usos da língua, de modo a conscientizar o falante de que sua produção linguística, seja ela oral ou escrita, estará pré-disposta a uma avaliação social, positiva ou negativa.



REFERÊNCIAS
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FRANCHI, Carlos. Mas o que é mesmo Gramática? In LOPES, H. V. et al. Língua portuguesa: o currículo e a compreensão da realidade. São Paulo, Secretaria da Educação/Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas, 1991.
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SOARES, Magda.  Linguagem e escola: uma perspectiva social.  17ª ed. São Paulo: Ática, 2002


[1] Graduado do Curso de Licenciatura em Letras com Habilitação em Português/Inglês da Faculdade José Augusto Vieira. Especialista em Arte Educação da Faculdade São Luís de França.  Mestrando em Ciências da Educação da Universidad Três Fronteiras.  E - mail: vldsn@hotmail.com.

[2] Graduada do Curso de Licenciatura em Letras com Habilitação em Português/Inglês da Faculdade José Augusto Vieira. Especialista em Arte Educação da Faculdade São Luís de França.  Mestranda em Ciências da Educação da Universidad Três Fronteiras.  E - mail: mareijollyd@hotmail.com/mareijollyd@bol.com.br.

[3] Graduado do Curso de Licenciatura em Letras com Habilitação em Português/Inglês da Faculdade José Augusto Vieira. Especialista em Arte Educação da Faculdade São Luís de França. Especialista em Educação Especial/LIBRAS da Faculdade Amadeus.  Mestrando em Ciências da Educação da Universidad Três Fronteiras.  E - mail: robsonbrasil01@hotmail.com.

[4] Na concepção do Naturalismo os nomes eram criados a partir da natureza e a Língua através de onomatopéias.
[5] Convencionalismo adota a concepção que os nomes eram criados segundo os Deuses bem como a língua também eram criadas pelas divindades.
[6]Do grego "amigo da palavra".  É a pessoa encarregada de estudar uma língua, literatura, cultura ou civilização sob uma visão histórica, a partir de documentos escritos.
[7] Expressão que indica uma cláusula ou condição sem a qual não se fará certa coisa.

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